quarta-feira, 4 de maio de 2011

- não, new york não é uma cidade moderna

- não, new york não é
uma cidade moderna


- disse ele, medindo incansavelmente com os passos seu quarto nas proximidades da
Washington Square.
- New York não está organizada. Apenas
carros, o metrô, os arranha-céus e elementos como tais ainda não constituem uma verdadeira cultura industrial. São
apenas a sua faceta exterior.
A América trilhou o caminho grandioso do
desenvolvimento técnico-industrial, que
modificou a face do mundo. Mas as pessoas
da América ainda não atingiram o nível
desse mundo novo. Elas ainda vivem no
passado.
Do ponto de vista intelectual, os nova-
iorquinos ainda são provincianos. Sua razão
ainda não assimilou todo o significado do
século industrial.
Aí está porque eu disse que New York não
está organizada: é um acúmulo gigantesco
de objetos feitos por crianças e não o
resultado valioso do trabalho de homens
maduros, que compreendessem os seus
próprios desejos e trabalhassem segundo
um plano como artistas. Quando na Rússia
sobrevier o século industrial, ele será
diferente. Nosso trabalho vai distinguir-se
por seu planejamento, pelo sentido pré-
determinado.
Aqui existem metrô, telefone, rádio e muitas
outras maravilhas; mas eu vou ao cinema e
vejo um público numeroso deliciar-se com
um filme estúpido, sobre não sei que história
de amor, vazia e sentimental, que seria
vaiada e expulsa da tela na mais minúscula
aldeola da nova Rússia. Que fornecem,
então, as maravilhas mecânicas às pessoas
com semelhante modo de pensar? Ao
que parece , a severidade, a ciência e a
verdade do século das máquinas não lhes
penetraram a consciência.
E o que se pode ver entre os homens de
arte? Eles possuem a eletricidade, possuem
milhares de temas atuais. Temas em pedra
e aço, que lhes entram pelos olhos na
rua, mas em seus estúdios e
escritórios, eles usam velas como o camponês russo.
Consideram isso estético. Escrevem lindos
versinhos íntimos Desenham quadrinhos
íntimos. Sua inspiração bruxoleia com a
chamazinha trêmula da vela, enquanto ela
deveria tumultuar, como uma torrente de
fogo, que se precipitasse de um alto-forno
moderno.
Ou então veja este mesmos arranha-céus.
São realizações gloriosas da engenharia
moderna. O passado não conheceu
nada semelhante. Os operosos artesãos do
Renascimento jamais sonharam com
construções tão altas, que se balançam ao
vento e desafiam a leia da gravidade. Eles
se lançam para o céu com seus cinquenta
andares, e devem ser puros, vertiginosos,
perfeitos, modernos como um dínamo. Mas
o construtor americano, que apenas pela
metade tem consciência da maravilha por
ele criada espalha pelos arranha-céus os
decrépitos ornamentos góticos e bizantinos,
de todo insignificantes aqui. É mais ou
menos como amarrar fitinhas cor-de-rosa
numa escavadeira ou colocar cachorrinhos
de celulóide sobre uma locomotiva.

talvez seja lindo, mas não é arte.
não é a arte do século industrial


New York é um equívoco e não um produto
de arte industrial.
Ela foi criada de modo anárquico, e não
como resultado da ação unida dos novos
pensadores, engenheiros, artistas
e operários.
- Nada de supérfluo. Isto é essencial na arte
industrial, na arte futurista. Nenhuma pose,
nenhuma tagarelice, nada de adocicado,
nada de saudades do que passou, nenhum
misticismo.
Na Rússia, demos um fim aos limões
espremidos e aos ossinhos de galinha roídos
do mundinho minúsculo da intelectualidade
liberal e mística.
“Para a rua, futuristas, tamborileiros e
poetas” – escrevi nos primeiros dias da
revolução. A arte apodrece quando ela é
respeitável e refinada. Ela deve sair dos
quartos forrados de veludo e dos ultra-
decorados estúdios e agarrar-se à vida.
A arte deve ter uma destinação determinada.
E eis a lei da nova arte: nada do supérfluo,
nada sem uma destinação. Eu arranquei da
poesia as vestes da retórica; eu voltei ao
essencial. Estudo cada palavra e o efeito
que desejo produzir com ela sobre o leitor:
é o que fazem as pessoas que escrevem os
anúncios de vocês. Eles não querem gastar
em vão uma só palavra – tudo tem que ter
sua destinação.
Cada produto do século industrial deve
ter sua destinação. O futurismo é contra
o misticismo, contra a divinização passiva
da natureza, contra a forma aristocrática
da preguiça ou qualquer outra, contra o
devanear e a choradeira – ele é pela técnica,
pela organização científica, pela máquina,
pelo pensamento aplicado a tudo, pela força
de vontade, a coragem, a velocidade, a
exatidão, e pelo homem novo, armado de
tudo isto.
Onde estão na América os homens de
arte com semelhante previsão do homem
novo? E onde está a previsão social do
industrialismo americano?
New York não tem um plano. Ela não
expressa nenhuma idéia, seu industrialismo
é obra do acasom enquanto o nosso
industrialismo, na Rússia, será a obra de arte
das massas.
Interrompi a torrente de sua energia futurista
e fiz uma pergunta que não lhe agradou:
- Esses intelectuais místicos e liberais a que
se referiu, na América, fogem da máquina,
eles acreditam que a maquina aniquila a
alma humana. E vocês russos, não temem
cair sob o domínio da máquina?
- Não – respondeu convicto o poeta.
– Somos os donos da maquina e não a
tememos. Sim, está morrendo a velha vida
mística e emocional, mas seu lugar será
ocupado pela vida nova. Que adianta temer
a marcha da história?
Ou temer que os homens se transformem
em máquinas? É impossível.
- Mas a máquina não vai destruir os valores
mais elevados e sutis da existência?
- Não. Tudo o que pode ser tão facilmente
destruído, merece isto. No futuro, hão de
surgir valores mais significativos e sutis. Um
aviador moscovita, meu amigo me disse:
quando ele se precipita nos ares com a
velocidade de cem milhas por hora, seu
cérebro trabalha cinco vezes mais depressa
que de costume. O século da máquina vai
estimular o pensamento ousado e livre.
- Os jovens escritores russos estão
imbuídos das mesmas idéias que vocês, e
quais são os melhores dentre eles?
- A Rússia toda está imbuída destas idéias.
Mas, para que citar os melhores escritores
jovens? Isto não é importante. O mais
importante é que milhões de homens e
mulheres que oito anos atrás não sabiam
ler, agora, tendo jogado fora todas as
velhas concepções de literatura, leem os
mais ousados dentre os jovens escritores
modernos. Esta ascensão geral do nível de
cultura é mais importante do que seria o
fato de terem aparecido em nosso país dez
Tolstóis ou Dostoiévskis. A arte infalivelmente
brota em semelhante solo.

VLADIMIR MAIAKÓVSKI
Entrevista com escritor norte-americano Michael Gold, publicada no jornal World, de New York, em 1925.

contravento 4

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